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sexta-feira, 24 de setembro de 2010

teses groucho-marxistas

"I
O groucho-marxismo, teoria da revolução pela comédia, é muito mais do que um esquema para a luta de crassos: como uma luz vermelha na janela, ilumina o destino inevitável da humanidade, a sociedade déclassé. O g-marxismo é a teoria do deleite permanente.
II
O exemplo dos próprios Irmãos Marx demonstra a unidade da teoria e da prática marxistas (por exemplo, quando Groucho insulta o burguês enquanto Harpo bate a carteira do sujeito). Além disso, o marxismo é dialético (Chico não é o comediante dialético clássico?). Comediantes que não conseguem sintetizar teoria e prática (isso sem falar nos que não conseguem pecar) são não-marxistas. Comediantes subsequentes, não conseguindo entender que a separação é ‘o discreto charme da burguesia’, recaíram em meras cambalhotas, por um lado, e mera tagarelice, por outro.
III
Como o g-marxismo é prático, suas ações jamais podem ser reduzidos a mero humor, espetáculo, ou até a ‘arte’ (os estetas, afinal, estão menos interessados na apreciação da arte do que em arte que sofre apreciação). Depois que um verdadeiro marxista vê um filme dos Irmãos Marx, ele diz a si mesmo: ‘Se achou isso engraçado, dê uma olhada na sua vida!’
IV
Os g-marxistas contemporâneos devem denunciar resolutamente o ‘marxismo’ imitativo e vulgar dos Três Patetas, do Monty Python e do Pernalonga. Em vez de retornar ao marxismo vulgar, devemos retornar à autêntica vulgaridade marxista. Um corretivo retal também cairia bem naqueles camaradas iludidos que acham que ‘a linha correta’ é aquela em que são obrigados a andar quando a polícia para o carro deles numa blitz.
V
Marxistas com consciência de classe (ou seja, marxistas que têm consciência de que não têm classe) devem desprezar a comédia ‘anêmica’, moderninha e narcisista de revisionistas do humor como Woody Allen e Jules Feiffer. A revolução pela comédia já superou a simples neurose – é lúdica sem ser ridícula, discriminante sem ser discriminatória, militante sem ser militar, aventurosa sem ser aventureira. Os marxistas percebem que, hoje em dia, você precisa se olhar num espelho de parque de diversões para se ver como realmente é.
VI
Embora não lhe faltem alguns toques de vislumbre marxista, o (sur)realismo socialista deve ser diferenciado do g-marxismo. É verdade que Salvador Dalí, uma vez, deu a Harpo uma harpa feita de arame farpado; no entanto, não existe nenhuma evidência de que Harpo a tenha tocado.
VII
Acima de tudo, é essencial renunciar e denunciar todo sectarismo humorístico como aquele dos eqüinos trots. Como bem se sabe, Groucho repetidamente propunha o sexo, mas se opunha a seitas. Além disso, o slogan trot ‘Salário para Animais de Carga’ cheira a reforma, não a deleite. Os esforços dos trots para reivindicar ‘Um Dia nas Corridas’ e ‘Horsefeathers’ para sua tendência devem ser rejeitados com indignação; na verdade, ‘A Mocidade É Assim Mesmo’ faz mais o estilo deles.
O assunto mais polêmico para os g-marxistas, hoje, éa questão do partido, que – diferetemente do que pensam ‘marxistas’ ingênuos e reducionaistas – é mais do que apenas: ‘Por que não fui convidado?’ Isso nunca impediu Groucho! Os marxistas precisam do seu próprio partido de vanguarda disciplinado, já que raramente são bem-vindos nas festas dos outros
[NT: ‘trot’ significa ‘trotar’, como um cavalo, e também é um diminutivo de ‘trotskista’; nesse parágrafo há vários trocadilhos intraduzíveis com a palavra ‘party’, que em inglês significa tanto ‘partido’ como ‘festa’]
VIII
Guiadas pelos líderes-dogmas marxistas do misbehaviorismo e do materialismo histérico, as massas vão inevitavelmente abraçar não apenas o g-marxismo, mas também umas às outras.
IX
O groucho-marxismo é a tour de force da comédia. Como Harpo, segundo fontes confiáveis, teria dito:
“ ”
Em outras palavras, ou a comédia é tresloucada, ou não é nada! Tanto a se fazer, tanta gente em quem fazê-lo! Ordinário, Marx!
ENTEDIADO DE NOVO? Por que não sacudir sua jaula? Proponho um diálogo dos revoltados, uma conspiração dos iguais, uma política do prazer. O nosso é o poder anômico do pensamento negativo e da risada corrosiva. Os indisciplinados, em meio aos pacientes de hospício, só têm a si próprios e, possivelmente, uns aos outros. Vamos nos reunir. A escolha é sedição ou sedação. Para qualquer número de jogadores. (1979)”

(BLACK, Bob. Groucho-Marxismo. Tradução de Michele de Aguiar Vartulli. São Paulo: Conrad Editora do Brasil, 2006, pp.9-12)