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sexta-feira, 29 de outubro de 2010

cine-rock, 30-10





Sábado, 14 hs, na Ufal Arapiraca

1) Cadillac Records
2) Stones in Exile














grandes momentos da igreja (o limbo)

"E, no entanto, se move"

"Depois de longo debate teológico, o Vaticano chegou, na semana passada, à conclusão de que o limbo provavelmente não existe. Era um conceito polêmico: nem céu, nem inferno, nem purgatório, tratava-se do lugar sem sofrimento reservado às almas dos bebês que não foram batizados.
A crença no limbo surgiu no século 13, mas nunca foi incorporada oficialmente ao catecismo. Sobrevivia, sem trocadilho, numa espécie de limbo teológico, agora finalmente dissipado.
Sem manifestar nenhuma crença pessoal na sua existência, eu achava o limbo um conceito fascinante. Não era o lugar dos santos nem dos grandes pecadores, nem mesmo da vasta maioria de almas que fica entre uma coisa e outra. Era o não-lugar, o ponto de interrogação suspenso entre a vida e a morte eternas, como se o próprio Deus, afinal, ficasse em dúvida diante do problema que tinha nas mãos e suspendesse sua área de jurisdição. Era o campo do neutro, do indecidível, do nebuloso; o Vaticano preferiu afastá-lo das suas cogitações doutrinárias.
De fato, o limbo criava um impasse teológico, como diz a reportagem da Folha do último sábado: "Por um lado, é difícil aceitar que uma criança possa ser condenada apenas por não ter sido libertada do pecado original. Por outro, se a salvação vem mesmo sem o batismo, por que batizar a criança?"
A resposta a essa pergunta, acho eu, é relativamente simples. Deve-se batizar a criança o quanto antes, na expectativa de que ela cresça, peque, seja absolvida e termine se salvando. Seria difícil imaginar que alguém crescido, depois de inúmeros crimes, fosse livrar-se do inferno só por não ter sido batizado.
Mas havia outro problema, imagino, por trás dessa questão. É que o inferno católico já não corresponde às velhas crenças dantescas que o pintavam como um vasto pavilhão de torturas; o maior castigo do pecador, diz o catolicismo, é ver-se privado eternamente da contemplação de Deus.
Só que, definido desse modo, o inferno acaba se assemelhando perigosamente ao próprio limbo... E a existência deste se torna mais duvidosa ainda. As crianças sem batismo iriam parar numa espécie de inferno? O Vaticano concluiu que não: "A exclusão de bebês inocentes do paraíso não parece refletir o amor especial de Cristo pelos pequeninos".
Mas um edifício teológico é uma construção delicada, e mexer numa parte da sua estrutura acarreta conseqüências em outra. Como fica, diante dessa decisão, o pecado original? Mesmo inocente, qualquer pessoa está marcada por essa condição imperfeita; a falta de culpa individual não deixa de situar cada ser humano num estado intermediário entre o pecado e a graça. Sendo assim, o limbo tinha a sua lógica, ao reservar um lugar eterno para aqueles que não pecaram, mas ainda não se salvaram.
Era, a bem dizer, o lugar de todo ser humano em estado neutro: este hesita, com efeito, entre a bondade natural de Rousseau e a perversidade inata dos mais pessimistas.
Eis que o Vaticano assegura aos não-batizados o paraíso. É uma atitude generosa, mas acredito intuir as razões dessa decisão.
Discute-se internacionalmente a pesquisa com células-tronco. Os católicos rejeitam o uso de embriões humanos como matéria-prima para possíveis descobertas terapêuticas.
Trata-se, dizem, de preservar a vida humana. Um zigoto, um embrião de duas semanas, já tem dentro de si um ser humano em potencial.
Interromper o seu desenvolvimento equivaleria, em tese, a matar um ser humano.
Neste caso, estava aberto o caminho para uma consideração extravagante. Será que todo embrião arriscado a cair nas mãos dos pesquisadores ou dos responsáveis por uma clínica de aborto não deveria, antes, receber o batismo, para não terminar no limbo?
Uma campanha para batizar zigotos e embriões seria, de algum modo, bizarra, para não dizer impraticável e ridícula. Ao eliminar do horizonte o conceito de limbo, o Vaticano certamente evita essa conclusão extrema.
Talvez o conceito de pecado original sofra um pouco com isso; mas a seu modo, e por vias sempre paradoxais e sibilinas, o catolicismo tenta se adaptar aos novos tempos. Cabe lembrar a lição de Galileu ao ver negada pela Igreja a sua tese de que a Terra se movia ao redor do Sol. O Vaticano, sem sair do lugar de sempre, "eppur si muove". "
(Marcelo Coelho, Folha de SP, 25/04/2007)

laerte (dia do idoso)