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terça-feira, 5 de abril de 2011

grandes momentos da filosofia (educação)

“Quando a educação se torna uma coisa essencialmente técnica, sobre técnicas de ensino-aprendizagem, técnicas de facilitação para os alunos, de tornar as aulas mais dinâmicas, mais agradáveis, mais prazerosas, a atitude do professor tenta ser o mais possível politicamente neutra. Mas sempre que o professor faz o discurso da neutralidade, da “cientificidade” da pedagogia, ele na verdade tenta neutralizar e se desligar das relações de poder da sociedade, o que é impossível.

Assistimos, então, a um interesse ímpar pelos métodos de ensino, pela tecnologia da educação, pelos instrumentos de avaliação, pela adequação curricular. [...] Um profundo tecnicismo caracteriza, então, a prática e as chamadas teorias pedagógicas.

Esses e outros equívocos presentes nos discursos e na prática pedagógica tendem a reduzir tudo a procedimentos, estratégias, opções na esfera dos conteúdos, dos métodos, das técnicas, das tecnologias, da gestão; limitando, empobrecendo e banalizando o sentido da educação, da escola, do saber, do ensinar e do aprender.

Com efeito, a grande ênfase nos métodos e nas técnicas não é de modo algum inocente, não decorre de um conhecimento supostamente objetivo, neutro e desinteressado, não é ‘natural’ e ‘racional’. Pelo contrário, é uma forma sutil de escamotear as relações concretamente existentes entre educação e classe social, educação e poder, deixando aparecer apenas os problemas metodológicos e técnico-administrativos.

A própria qualificação da força de trabalho, numa sociedade capitalista, não é de modo algum um processo meramente técnico, mas eminentemente social, visto consistir principalmente no preparo de uma mão-de-obra dócil e disciplinada.

É profundamente ingênua (e perigosa!) essa idéia de que o professor deve facilitar a aprendizagem ao máximo, fazendo dela uma diversão, uma brincadeira (e aqui entra toda a parafernália da tecnologia da educação, dos recursos audiovisuais), na qual o importante é apenas ‘aprender a aprender’. Ora, ninguém aprende a aprender sem um conteúdo, uma matéria-prima a ser transformada pela reflexão, isto é, sem um trabalho que produza a compreensão da realidade. A vulgarização da idéia de que não é o professor que ensina, mas o aluno que aprende, tem conduzido muitos educadores a uma irresponsabilidade, a um populismo ingênuo, encoberto por uma falsa defesa da liberdade e da criatividade do indivíduo e da igualdade entre professores e alunos.

O estudo da filosofia da educação às vezes é substituído pelo das teorias da educação. [...] A teoria da educação pouco incomoda o Estado, os professores e os pais e tende a ser bem-vinda [...] conferindo uma auréola de erudição.

A filosofia interroga e questiona a educação, as teorias e as práticas educativas, as políticas educacionais, a redução da educação a uma questão técnica a ser decidida pelos tecnoburocratas do estado, a compreensão instrumentalista da escola e a conseqüente submissão desta ao mundo empresarial, ao mercado, aos ideais de eficácia e produtividade.

Sendo a escola uma instituição da sociedade civil, nela se manifestam todos os conflitos, os antagonismos que constituem a existência desta. Ora, em nossa formação social encontramos duas classes fundamentais, cujos interesses se excluem radicalmente.

Temos de aproveitar a vantagem do fato do professor ser um operário pobre, mal-remunerado, um proletário, pois se o controle da educação é fundamental para a reprodução da dominação de classe — o assumir deste controle pelas classes subalternas representa certamente um avanço em sua luta política.

Uma das maiores contribuições que a escola pode dar à classe operária não é tanto “conscientizá-la”, como se ela não conhecesse a verdade libertadora por estar impregnada da ideologia, sendo nossa “missão” arrancá-la do plano da realidade imediata para elevá-la a seus reais interesses de classe. Essa concepção iluminista e autoritária, fundada na dicotomia saber / ignorância, consciência / inconsciência, supõe que a consciência crítica possa ser dada ou adquirida, possa vir de fora, esquecendo-se que ela se conquista no trabalho e na luta, e que a ideologia se encontra também internalizada no educador.

Somente o fortalecimento da sociedade civil, a organização coletiva, a luta política, serão capazes de transpor o território, ainda bastante limitado, embora importante, da crítica teórica. Um trabalho pedagógico que não conduza a uma organização mais efetiva da sociedade civil, em especial das classes subalternas, já comprometeu boa parte de seu sentido educativo e eficácia.”

(COÊLHO, Ildeu Moreira. “Filosofia e Educação”. In: PEIXOTO, Adão José (org.). Filosofia, Educação e Cidadania. Campinas-SP: Alínea, 2001. pp.19-70)