novo blog

terça-feira, 10 de maio de 2011

treze de maio

anchieta escrevendo na areia

em cima, na visão romântica (XIX) de Benedito Calixto.
abaixo, mais de perto, de frente, atormentado e com o mar revolto ao fundo. Portinari assina na areia.

benjamin

Em nossos livros de leitura havia a parábola de um velho que no momento da morte revela a seus filhos a existência de um tesouro enterrado em seus vinhedos. Os filhos cavam, mas não descobrem qualquer vestígio do tesouro. Com a chegada do outono, as vinhas produzem mais que qualquer outra na região. Só então compreenderam que o pai lhes tinha transmitido uma certa experiência: a felicidade não está no tesouro, mas no trabalho. Tais experiências nos foram transmitidas, de modo benevolente ou ameaçador, à medida que crescíamos: “Ele é muito jovem, em breve poderá compreender”. Ou: “Um dia ainda compreenderá”. Sabia-se exatamente o significado da experiência: ela sempre fora comunicada aos jovens. De forma concisa, com a autoridade da velhice, em provérbios; de forma prolixa, com a sua loquacidade, em histórias; muitas vezes como narrativas de países longínquos, diante da lareira, contadas a pais e netos. Que foi feito de tudo isso? Quem encontra ainda pessoas que saibam contar histórias como elas devem ser contadas? Que moribundos dizem hoje palavras tão duráveis que possam ser transmitidas como um anel, de geração em geração? Quem é ajudado, hoje, por um provérbio oportuno? Quem tentará, sequer, lidar com a juventude invocando a sua experiência?
(BENJAMIN, Walter. “Experiência e pobreza” (1933), p.114)

benjamin

Benjamin analisa, em “Paris, capital do XIX”, os interiores burgueses, com seus móveis estofados, seus tapetes espessos, suas fotografias, suas pinturas escolhidas, todos os objetos que deveriam sugerir uma intimidade que sumiu do mundo público; tais acessórios também têm a função de ressaltar a marca de seu proprietário, reduzido ao anonimato quando deixa a sua moradia. O indivíduo burguês tenta, desesperadamente, deixar rastros: iniciais bordadas nos lenços e lençóis, estojos, caixinhas; um dos materiais preferidos dessa época é o veludo, pois os dedos deixam nele seu rastro.
*
Em "O Narrador", ele cita Brecht:



APAGUE AS PEGADAS

Bertold Brecht

Separe-se de seus amigos na estação
De manhã vá à cidade com o casaco abotoado
Procure alojamento, e quando seu camarada bater:
Não, oh, não abra a porta
Mas sim
Apague as pegadas!

Se encontrar seus pais na cidade de Hamburgo ou em outro lugar
Passe por eles como um estranho, vire na esquina, não os reconheça
Abaixe sobre o rosto o chapéu que eles lhe deram
Não, oh, não mostre seu rosto
Mas sim
Apague as pegadas!

Coma a carne que aí está. Não poupe.
Entre em qualquer casa quando chover, sente em qualquer cadeira
Mas não permaneça sentado. E não esqueço seu chapéu.
Estou lhe dizendo:
Apague as pegadas!

O que você disser, não diga duas vezes.
Encontrando o seu pensamento em outra pessoa: negue-o.
Quem não escreveu sua assinatura, quem não deixou retrato
Quem não estava presente, quem nada falou
Como poderão apanhá-lo?
Apague as pegadas!

Cuide, quando pensar em morrer
Para que não haja sepultura revelando onde jaz
Com uma clara inscrição a lhe denunciar
E o ano de sua morte a lhe entregar
Mais uma vez:
Apague as pegadas!

(Assim me foi ensinado)