novo blog

quarta-feira, 20 de abril de 2011

gilberto freyre


É curioso constatar que as próprias gerações mais novas de filhos de senhores de engenho, os rapazes educados na Europa, na Bahia, em São Paulo, em Olinda, No Rio de Janeiro, foram-se tornando, em certo sentido, desertores de uma aristocracia cujo gênero de vida, cujo estilo de política, cuja moral, cujo sentido de justiça já não se conciliavam com seus gostos e estilos de bacharéis, médicos e doutores europeizados.
            O bacharel – magistrado, presidente de província, ministro, chefe de polícia – seria, na luta quase de morte entre a justiça imperial e a do pater famílias rural, o aliado do Governo contra o próprio Pai ou o próprio Avô. O médico, o desprestigiador da medicina caseira, que era um dos aspectos mais sedutores da autoridade como que matriarcal de sua mãe ou de sua avó, senhora de engenho. Os dois, aliados da Cidade contra o Engenho. Da Praça contra a Roça. Do Estado contra a Família.
(FREYRE, Gilberto. Sobrados e Mucambos, p.18)
 
Foi um período de diferenciação profunda _ menos patriarcalismo, menos absorção do filho pelo pai, da mulher pelo homem, do indivíduo pela família, da família pelo chefe, do escravo pelo proprietário; e mais individualismo – da mulher, do menino, do negro – ao mesmo tempo que mais prostituição, mais miséria, mais doença. Mais velhice desamparada. Período de transição. O patriarcalismo urbanizou-se.
(FREYRE, Gilberto. Sobrados e Mucambos, p.22)
 
As senhoras mais chiques penteando-se não mais à portuguesa, ou quase à oriental, mas à francesa, vestindo-se também à francesa, indo ao teatro ouvir óperas cantadas por italianas a quem os estudantes ofereciam bouquets, faziam discursos, dedicavam sonetos. Os meninos educando-se em colégios - alguns de estrangeiros - e em academias; e não apenas em casa, com o tio-padre ou o capelão. Nem simplesmente nas escolas de padres.”
(FREYRE, Gilberto. Sobrados e Mucambos, p.22)

machado de assis - etimologia de 'Medicina'


“A etimologia de medicina é, como acontece com outras palavras, uma lenda.
Conta-se que, no tempo do rei Numa, o corpo médico era composto unicamente de coveiros, regidos por um coveiro-mor, chamado Cina.
Adoecia um romano, iam os coveiros à casa do doente medir-lhe o corpo para abrir a sepultura.
- Mediste, Caio? – pergunta o chefe.
- Medi, Cina – respondia o coveiro.”
(Semana Ilustrada, 03/11/1872)

grandes momentos da filosofia (adorno)


KANT, 1783:

“Esclarecimento significa a saída do homem de sua minoridade, pela qual ele próprio é responsável [culpado]. A minoridade é a incapacidade de se servir de seu próprio entendimento sem a tutela [direção] de um outro. É a si próprio que se deve atribuir essa minoridade, uma vez que ela não resulta da falta de entendimento, mas da falta de resolução [decisão] e de coragem necessárias para utilizar seu entendimento sem a tutela de outro. Sapere aude! [Ousa saber!] Tenha a coragem de te servir de teu próprio entendimento, tal é portanto a divisa do Esclarecimento.”

HUSSERL, 1935:

“1) Era uma vez, faz muito tempo, em algum momento da história do que somos, em que algo, talvez a liberdade, se dava por suposta ou se anunciava esplendorosa no horizonte; houve um tempo em que éramos jovens, em que estávamos cheios de ideais e de confiança em nós mesmos, em que sabíamos claramente o quer éramos e o que queríamos;
2) Agora, todos esses ideais estão desmoronando ao nosso redor e nos sentimos velhos e cansados;
3) Mas não podemos perder a confiança em nós mesmos, porque, se a perdermos, não somente teremos fracassado, senão que nossa própria história não terá sentido;
4) Necessitamos, portanto, renovar e revitalizar nossa fé e nossa esperança de juventude, mesmo que seja de outra forma.
O século xviii era o século filosófico, entusiasmo pela filosofia e pelas ciências, daí o fervor pelas reformas da educação. Possuímos um imperecível testemunho deste espírito no esplêndido hino de Schiller e Beethoven “À Alegria”. Hoje, este hino só pode nos suscitar sentimentos dolorosos. Não cabe imaginar contraste maior que o daquela época com nossa situação atual.”

ADORNO & HORKHEIMER, 1944:

            “No sentido mais amplo do progresso do pensamento, o esclarecimento tem perseguido sempre o objetivo de livrar os homens do medo e de investi-los na posição de senhores. Mas a Terra totalmente esclarecida resplandece sob o signo de uma calamidade triunfal.”


arcadismo brasileiro


“Cláudio Manuel da Costa não parece ter tido nenhuma participação na Inconfidência Mineira, alem de vagas simpatias”

“Cláudio utilizou a rocha como nota peculiar à paisagem nativa, e, ao mesmo tempo, a investiu de função poética, na sua qualidade de elemento duro, negação da ternura da voz lírica.”

“A imagem mais popular de Gonzaga o dá como pré-romântico; contudo, vista de perto, a lírica amorosa de Dirceu se mostra bem diversa do passionalismo romântico. [...] O Gonzaga prisioneiro é a primeira voz ‘romântica’ da nossa literatura, o seu primeiro acento individualizado de desgraça e patético, mas ainda aí, porém, o páthos romântico não deve ser confundido com romantismo no estilo.”

“O apego à felicidade do ‘lar doce lar’, em Gonzaga, é apego às beatitudes burguesas”

“A tendência de Gonzaga é concentrar-se no eu, em detrimento da sua musa titular. Dois terços da segunda parte da Marília têm por centro temático o próprio Dirceu.”

“O romantismo indianista exaltou o Uraguai; contudo, em vez de heroicizar o índio, como farão Gonçalves Dias ou José de Alencar, Basílio da Gama o deseroiciza.”

“As Cartas Chilenas estão muito mais perto do agravo pessoal, do que da sátira ideológica.”

“O andor geral das Cartas Chilenas é sem viço, como que emperrado pela matéria insignificante; o verso se enterra em narrações tão prolixas quanto banais.”

(MERQUIOR, José Guilherme. De Anchieta a Euclides: breve história da literatura brasileira. RJ: José Olympio, 1979 [1977], pp.28-42)

***

“De todos os poetas ‘mineiros’, talvez seja Cláudio Manuel da Costa o mais profundamente preso às emoções e valores da terra”

“A presença da rocha aponta, em Cláudio, para um anseio profundo de encontrar alicerce.”

“Em Cláudio, o contraste rústico-civilizado exprime a condição de brasileiro”

“Gonzaga é dos raros poetas brasileiros, e certamente o único entre os árcades, cuja vida amorosa tem algum interesse para a compreensão da obra.”

“As liras de Gonzaga são copiosas na celebração do lar, nos sonhos de vida conjugal. Por isso dignificam os sentimentos quotidianos. São liras de cunho por assim dizer doméstico.”

“Gonzaga se distingue dos românticos, que captam as mais das vezes a forma emergente no calor da inspiração, ansiosos por registrar o impulso afetivo.”

“Marília, não obstante invocada a toda hora, aparece, quando muito, como pretexto, ou pelo menos ocasião dos versos. Na segunda parte de Marília de Dirceu, são 25 sobre 36 as peças em que ele próprio [Gonzaga] é o centro. Assim, a sua grande mensagem é construída em torno dele próprio: mais do que o cantor de Marília, Gonzaga é o cantor de si mesmo.”

“Salvo em alguns trechos (sobretudo no Canto V, mais político), o encanto do leitor de O Uraguai é ininterrupto.”

“Devido ao tema do índio, durante todo o Romantismo o nome de Basílio da Gama foi talvez o mais freqüente na pena dos escritores, quando se tratava de apontar precursores da literatura nacional.”

(CANDIDO, Antonio. Formação da Literatura Brasileira, vol.1. Belo Horizonte: Itatiaia, 1981 [1959], passim.)

“Querer integrar-se na vida civilizada, abandonando a concepção de Paraíso como jardim da natureza, está contido no gesto de Moema – de atirar-se em direção do navio em que iam Diogo e Paraguaçu, e morrer afogada – mas é reduzido no texto à ‘inveja’, daí ao ciúme, a uma relação individual. O gesto de Moema parece loucura privada, mas restam traços suficientes no texto para supor que, sendo ela uma das esposas indígenas do aventureiro, ele foi forçado pela Igreja a escolher uma delas como sua companheira oficial, abandonando as demais, para assumir cargos administrativos (como se, na prática, os senhores brancos não tivessem continuado a ter suas amásias teúdas e manteúdas). Mais que isso, ela é emblema da aspiração de participar da metrópole e da elite, da incapacidade de elaborar a arrogância e a rejeição da metrópole e assumir o destino americano. Moema encena ainda o narcisismo machista de ver a mulher morrer de paixão: é como se a única coisa que lhe importava era ter Diogo, fosse onde e como fosse. Subjacente a seu gesto estava o percurso do autor, de sair do atraso brasileiro e ir para a civilização européia, como se esta fosse a inversão da utopia buscada na América. [...] Encena-se aí o desejo da elite luso-brasileira em ser aceita, recebida e reconhecida em Paris. Ao autor, por sua vez, era interessante chamar a curiosidade dos europeus falando dos índios, o exótico que lhes faltava.”

“Paraguaçu é apresentada como ‘Princesa do Brasil’, é a Pocahontas do Brasil, a parcela indígena que adere ao conquistador, deslumbrada. Diogo Álvares está para a oligarquia luso-brasileira como Paraguaçu para o povão brasileiro. Ela é uma alegoria dos brasileiros. O único jeito de ela comparecer à corte é levada pela mão do colonizador e senhor português para beijar a mão dos reis franceses. Comparece ante o rei francês como diante de Deus. Paris é o Paraíso.”

“Embora o projeto de O Caramuru seja português, colonialista, francófilo e contrário à autonomia brasileira, não só tem sido considerado parte da literatura brasileira, mas pelos românticos inclusive início de seu sistema, por centrar-se no homo brasiliensis, na figura do indígena.”

“Cláudio Manuel da Costa não foi transformado em protomártir da Independência. Poderia ter acrescentado a aura do poeta à do revolucionário, mas a imagem do mártir cabe mais em uma execução pública: preferiu-se um alferes, não um intelectual como herói.”

“Nenhuma das três alternativas à Carta de Caminha – a obra de Gregório de Matos, a epopéia de Durão e o soneto do ouro de Cláudio Manuel da Costa – apresentadas como início do sistema da literatura brasileira, corresponde ao que se deve esperar de uma marca distintiva de uma literatura nacional.”

“Se Maria Dorotéia realmente amou Gonzaga não tem maior importância literária; Dirceu também não amou Marília, que era apenas um acréscimo do conforto dele. Ela é o modo de ele gostar de si mesmo. Não há tragédia no amor irrealizado entre ambos, pois não havia amor a realizar. Ele está tão pouco preocupado com ela quanto pelo Brasil.”

(KOTHE, Flávio. O Cânone Colonial. Brasília: UnB, 1997, passim.)

“Ainda que se tratasse de influxo recebido na adolescência, o certo é que a poesia de Cláudio Manuel da Costa espelha mais a realidade portuguesa que a brasileira: nota-se a total ausência de pormenores brasileiros.”

“A segunda parte da Liras identifica-se, antes de mais nada, pelo retrato de Marília: o poeta resolve contar-lhe as graças.

“Em Gonzaga se aponta um rasgo de brasilidade (talvez seja o mais brasileiro dos nosso poetas árcades), ou de atenção viva para a paisagem tropical, que colabora para distingui-lo dos outros árcades. Em consonância com essa brasilidade, tornou-se, como nenhum outro, o cantor das delícias do viver burguês.”

“Os poetas do Romantismo do século XIX apreciarão no poema de Basílio da Gama a concepção idealista do selvagem.”

“Para além dos fatores extrínsecos (tecer louvainhas a Pombal e denunciar os jesuítas), outros concorrem para limitar o valor de O Uraguai. O poeta foi infeliz na eleição de um assunto cronologicamente próximo dele, que não havia sofrido, portanto, a metamorfose própria da lenda ou do mito e não lhe facultava a distância suficiente para que a imaginação pudesse agir livremente. O assunto, pouco adequado a um poema épico segundo os moldes clássicos, não daria, segundo o parecer de Afrânio Peixoto, senão um conto medíocre...”

“Lido em nossos dias, O Uraguai não esconde o envelhecimento, quer como situação dramática, quer como atitude poética.”

“Sílvio Romero rotulou o Caramuru como o poema mais brasileiro que possuímos.”

(MOISÉS, Massaud. História da Literatura Brasileira: origens, barroco, arcadismo. São Paulo: Cultrix; EDUSP, 1983)

“Opostamente a Cláudio Manuel da Costa, Gonzaga, português de nascimento, não parecia desdenhar muito os quadros naturais da terra adotiva, embora os estilizasse devidamente segundo os padrões do Arcadismo.”

“O tema escolhido para o Uraguai era pobre: a guerra movida aos índios das Missões que não queriam ser transferidos do domínio dos padres para o da Coroa de Portugal.”

(HOLANDA, Sérgio Buarque. Capítulos de Literatura Colonial. São Paulo: Brasiliense, 2000 [1991])

“Nas Liras de Gonzaga, Marília, alvo imediato, é apenas o interlocutor retórico. Nós, seus leitores, é que somos o alvo verdadeiramente visado pela fala do poeta.”

(MOISÉS, Carlos Felipe. O Desconcerto do Mundo: do renascimento ao surrealismo. São Paulo: Escrituras, 2001, p.108)

“A lírica de Gonzaga é brasileira, mas sem a presença da cor local, a paisagem é sempre um pano-de-fundo imóvel que jaz intocada por qualquer traço de realismo.”

(HELENA, Lúcia. “Estudo Crítico”. In: Tomás Antônio Gonzaga. Rio De Janeiro: Agir, 2000)

“Cláudio Manuel da Costa era ardente pombalino, e certamente foi apenas lateral o seu papel na Inconfidência.”

“A quase-contemporaneidade dos sucessos cantados na Uraguai retira ao poema a aura de mito que cerca a epopéia tradicional, mas dá-lhe a garra do moderno, imergindo o leitor do tempo nos motivos mais candentes: o jesuitismo, a ação de Pombal, os litígios de fronteiras, a altivez guerreira do índio...”

“O Uraguai lê-se ainda hoje com agrado, pois Basílio da Gama era poeta de veia fácil: constitui poesia de boa qualidade, ágil e expressiva.”

“Durão antecipa certas atitudes românticas voltadas contra a impiedade dos ilustrados mais radicais.”

“Entre Basílio da Gama e Santa Rita Durão as aproximações são fortuitas. Seria talvez mais correto pôr o Caramuru entre parênteses e lembrar os traços mais modernos e líricos do Uraguai.”

“Nas Cartas Chilenas, obra de circunstância, agrada sempre a fluência do decassílabo solto que vai marcando com brio os abusos do mau político.”

(BOSI, Alfredo. História Concisa da Literatura Brasileira. São Paulo: Cultrix, 1972)