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terça-feira, 19 de outubro de 2010

baixio das bestas

"Tá sentindo um cheiro estranho? É a podridão do mundo", diz um homem. Baixio das bestas, novo filme de Claudio Assis que estreia nesta sexta-feira [de maio de 2007], é mais uma viagem no universo particular de seu autor. Uma jornada de uma hora e vinte pela miséria, decadência e podridão humana. Decididamente, não-indicado para pessoas de estômagos sensíveis, cabeças fechadas e obcecadas pelo bom gosto.

Assim como em seu primeiro longa-metragem, Amarelo manga (2003), e no curta Texas hotel (1999), os temas com os quais o diretor parece confortável são sempre desconfortáveis. E, talvez, por isso mesmo, mereçam atenção e reflexão. [...]

Baixio das bestas não enrola nem amacia [...] em Baixio das bestas não há vaselina. Até por isso, Caio Blat e Matheus Nachtergaele gritam numa orgia: "- Cadê a manteiga? Hoje eu quero cu!". Masturbação, estupro, espancamento de mulheres, exploração de menores, pedofilia, sodomia, depilação íntima feminina in loco (ou em foco, ou em close), um pouquinho de sexo explícito, pênis na tela, vaginas na tela, está tudo lá. Por trás, um estudo cru e cruel sobre a exploração humana, sobretudo da mulher.

De um lado, a menina explorada pelo avô - que também é seu pai -, sendo exposta por ele, nua, para caminhoneiros. Um puteiro frequentado por violentos agroboys é o outro lado da moeda responsável pela carga dramática do filme. Dentro desses dois núcleos é onde fundamentalmente o importante acontece.

O longa, além da(s) história(s) forte(s), tem um desempenho espetacular de seu elenco. Numa obra com Caio Blat, Matheus Nachtergaele e Marcélia Cartaxo, a estreante Mariah Teixeira, Dira Paes e Fernando Teixeira dão um show, sem desmerecer aqueles. Mariah é impressionante. Sua atuação é pontuada por silêncios, olhares, gestos. De longe, o que há de melhor no filme. E tem ainda Hermila Guedes, de O céu de Suely, cujos personagens - e os dois filmes - talvez estejam mais próximos do que se imagina. Apesar de extremamente bem filmado, há excessos, sim, como em toda a obra do autor.

Baixio das bestas irá desagradar - e incomodar, enojar - muita gente, mas também irá acertar em cheio o público de Amarelo manga e Cronicamente inviável (2000, de Sérgio Bianchi). Há momentos em que o filme parece querer ser um tapa na cara da classe média brasileira, um basta no (movimento) "Basta!" ("- A pobreza vai socializar o mundo!", - grita o personagem de Matheus). Há outros em que a sensação de gratuidade e do choque pelo choque incomodam tolamente. [...]

Outra face comprometedora da cinematografia tupiniquim, a folclórica figura do bêbado, entretanto, protagoniza um plano-seqüência com o avô digno de nota, por sua competência, eficiência e força.

Baixio das bestas é um filme contundente, tenso, violento e - como não podia deixar de ser - polêmico. É esplendidamente fotografado em CinemaScope - como em Amarelo manga -, com muita câmera na mão, ótimos planos-sequência e um desempenho visceral de seu elenco. É uma obra importante dentro da (pouca) variedade do cinema brasileiro, e mais um "pé na porta" de fora do eixo Rio-São Paulo, que já nos brindou com Cinema, aspirinas e urubus e Cidade baixa.

"- Sabe o que é o melhor do cinema? É que no cinema tu pode fazer o que tu quer" - diz o personagem de Matheus. E é isso que Claudio Assis faz. O que quer. Aparentemente, sua intenção de chocar é muito clara. O que não quer dizer que, através de um olhar mais atento, não se perceba quão importantes são as denúncias que faz. Suas pertinências são mais que relevantes. Ao preferir não tapar o sol com a peneira, ele joga um foco de luz na parte "mundo cão" de nosso mundo. De nosso país. Pode-se não gostar de seu estilo cinematográfico. No mundo real, entretanto, dar as costas não é uma opção.

(LEVI, Daniel. “Baixio das Bestas” é uma jornada pela miséria humana. Texto disponível em: http://oglobo.globo.com/cultura/mat/2007/05/09/295681173.asp)

BAIXIO DAS BESTAS

quarta-feira, vinte de outubro, duas da tarde

Cine-Debate no Congresso Acadêmico – UFAL Arapiraca