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terça-feira, 24 de maio de 2011

a luta pela terra

             A origem do agronegócio está na colonização brasileira, desde 1500. Brasil foi colônia (ver etimologia). Tudo que era produzido no Brasil era destinado à metrópole.
          [- agronegócio anda junto com “Brasil para o turismo”. CHAUÍ: mito fundador e sociedade autoritária.]
              Do Descobrimento até 1850 (“Lei das Terras”), as terras eram dadas pela Coroa portuguesa, ou seja, a posse da terra estava diretamente atrelada aos favorecidos pela Coroa. (Capitanias Hereditárias, 1534: 14 faixas de terra.)
            A partir de 1850, as terras continuam pertencendo ao governo, mas agora só poderiam ser apropriadas através de compra, o que favorece agora aqueles que têm alto poder de compra. Isso vai gerar uma grande investida contra os posseiros, aqueles que moravam em uma terra sem terem seu título de compra.
            A promulgação dessa lei ocorreu para deter o processo de livre apropriação mediante a posse da terra. 1850 era o momento da grande imigração de trabalhadores estrangeiros, para trabalhar especialmente nas lavouras de café de SP. Por essa razão, o preço da terra deveria ser tal que o imigrante não pudesse compra-la.
            Diferença no regime de trabalho do campo e da cidade: na cidade, o trabalhador recebia uma determinada quantia em dinheiro pela venda de sua força-de-trabalho. Já no campo, havia alguns tipos diferentes de ‘contrato’: os colonos recebiam parte do pagamento em dinheiro, e a outra parte era a permissão para plantar certos produtos – milho e feijão – entre as fileiras dos cafezais, ou o direito de ter uma pequena roça de subsistência. Os colonos residiam na propriedade, em casas geminadas – as colônias.
            Os parceiros (ou meeiros) recebiam a terra do proprietário para o plantio, e se obrigavam a lhe entregar a metade do produto.
            Os arrendatários pagavam ao proprietário uma certa quantia em dinheiro.
            Muitos desses posseiros eram descendentes da escravidão indígena e africana, que continuaram morando nas terras onde eram escravos antigamente, sob a tutela dos proprietários.
            Esse sistema continuou até 1950, quando se inicia um debate político em torno da modernização da agricultura brasileira, considerada então como símbolo do atraso econômico do país. A modernização foi identificada ao desenvolvimento, à cidade, à industrialização. O Brasil começou a ser visto como dois Brasis: o moderno, urbano; e o atrasado, rural.
            A partir de 1964, a tese da modernização saiu vitoriosa. Os EUA tiveram papel decisivo nessa mudança, pois (além de terem apoiado o golpe militar) queriam vender seus produtos industrializados, como máquinas e insumos agrícolas.
            Uma das primeiras medidas tomadas (30/11/64) foi a modernização do campo mediante o aumento da produção e da produtividade. A partir daí, a paisagem rural mudou totalmente: milhares de máquinas, tratores e insumos agrícolas substituíram paulatinamente a maneira de produzir até então existente. Chamada “industrialização do campo”; concentração acelerada de terra e renda, na mão de grandes empresas nacionais e internacionais.
            O resultado dessa ‘industrialização’ foi a expropriação dos trabalhadores do campo, os “posseiros”. O processo de expropriação tornou-se violento quando a questão agrária foi militarizada, quer dizer, passou a ser assunto do Conselho de Segurança Nacional, órgão repressor da ditadura militar. Esse mesmo processo beneficiou as grandes empresas, que se valeram de empréstimos e incentivos fiscais para a compra de terras a preços simbólicos.
            Voltou a existir também a peonagem: os trabalhadores são requisitados em regiões distantes da que vão trabalhar por um ‘gato’. Vão para o novo lugar para trabalhar, mas o salário é insuficiente. Então, quanto mais trabalham, mais devem ao proprietário, e são impedidos de irem embora antes de saldarem as dívidas, o que é impossível. São considerados escravos.
            Então, podemos dizer que a ‘modernização’ da agricultura se baseou em dois pés: 1) expropriação dos camponeses; 2) aumento da exploração dos trabalhadores.

Estatuto da Terra (1964) = legitimar as terras devolutas, isto é, públicas (posses não legitimadas pela lei, terras cujos proprietários não possuem escritura legalizada: as famílias que não tinham a escritura da terra (quase todas, descendentes de escravos, que não estavam inseridos em uma economia monetária. A troca era feita produto por produto, sem a intermediação do dinheiro. Não conheciam o uso da cerca, p.ex.) tiveram suas terras expropriadas.

COMPARAÇÃO ENTRE USO DA TERRA PELOS CAMPONESES E PELOS LATIFUNDIÁRIOS

- para os camponeses, a terra não têm valor de troca. É fonte de vida, de sobrevivência, e não de lucro ou negócios. Relação de simbiose.
- Há uma união muito forte entre a terra e a família. A mãe-natureza. [matéria – madeira – mãe – maternal]
- Cultura local, festas religiosas, relações de vizinhança eram baseadas nessa relação com a natureza. O espaço é simbólico, além de ser geográfico, físico.
- maromba – festa-trabalho do interior de MG. Assemelha-se ao mutirão (SP). No plantio e na colheita, os vizinhos e parentes colaboram no trabalho. Durante o trabalho, todos cantam versos improvisados sobre a vida cotidiana. No final da tarde, o dono oferece um jantar aos participantes da ‘festa’.
- Relações sociais eram primárias, isto é, todos se conheciam e tinham o mesmo sentimento de pertencimento comum ao lugar.

O que é a grande propriedade rural? Incontáveis pequenas propriedades de subsistência tomadas (expropriadas) pelos proprietários do grande capital, com o incentivo econômico do Estado, para grandes plantações monocultoras (de eucalipto, p.ex., para fabricação de carvão e celulose).
Ou seja, a expropriação (totalmente dentro dos limites da lei; aliás, patrocinada pelo Estado!) acabou provocando a saída do campo de milhões de famílias que ‘venderam’ suas terras a preços simbólicos, ou que foram simplesmente expulsas porque não possuíam a escritura.
Exemplo de processo de expulsão: a introdução do boi pantaneiro, muito bravo, capaz de arrebentar as cercas dos sítios vizinhos à grande fazenda. Provocava muito medo nos sitiantes. Vilas inteiras desapareceram, sob o pasto dos bois pantaneiros. Os moradores abandonavam tudo para fugir.

2) EXPLORAÇÃO
No entanto, muitos não quiseram abandonar as terras e passaram a trabalhar nelas, mesmo com a chegada da mecanização. Estes foram os explorados.
1963 – Estatuto do Trabalhador Rural (ETR) estendia os benefícios das leis trabalhistas, vigentes desde 1943, aos trabalhadores do campo. Até 1963, os trabalhadores rurais não podiam participar do processo político do país, em virtude do preconceito que se tinha contra eles (o Jeca Tatu).
A intenção da lei era boa, mas acabou resultando em mais injustiças: o ETR obrigava o empregador a pagar 27,1 % sobre cada jornada dos trabalhadores, como correspondente aos gastos sociais. O fato é que, então, os trabalhadores com carteira assinada passaram a custar mais. Assim, foram despedidos e recontratados como volantes, eventuais. Quer dizer, ao invés de melhorar as condições de vida, ele representou justamente o contrário, pois regulamentou a intensificação da exploração.
Foi o golpe definitivo nos sistemas de parceria, arrendamento, etc. surgem, então, os chamados bóias-frias, que, expulsos do campo, passam a morar na periferia das cidades para serem, em seguida, contratados pelos proprietários na condição de volantes, i.é., sem direitos (férias, 13o, turno de 8 horas)
Assim, invariavelmente chegam milhares de bóias-frias (sobretudo homens jovens, que deixam em seus locais de origem as “viúvas de maridos vivos”), p.ex., em SP, para as plantações de cana-de-açúcar, e passam 8 meses trabalhando. Depois retornam e esperam o ano seguinte.
1984, além do surgimento do MST, vê a Greve de Guariba (cidade de SP), em que os trabalhadores rurais fazem saques no comércio local, destroem prédios da Prefeitura, e são duramente reprimidos pela polícia militar. Apesar da violência, conseguem garantir alguns direitos trabalhistas.
No entanto, o que parecia uma vitória da resistência acaba, de novo, se transformando em derrota: a greve foi a causa da intensificação da modernização, com maior emprego ainda de máquinas em todas as fases do processo produtivo, inclusive no corte da cana, que empregava o maior número de trabalhadores (trabalho, no entanto, desumano, que foi cada vez mais piorando. Há 10 anos, cada trabalhador  tinha de entregar 5 toneladas de cana, ao fim da jornada; hoje, a quantidade está em 10. Para conseguir isso, muitos morrem do excesso de esforço (“birola”); os menos fortes são mandados embora; muitos usam crack para agüentar. Muitos saem direto, diariamente, da lavoura para o hospital, tomar um preparado que eles chamam de ‘soro’).
Consequência desse processo todo: os antigos moradores do campo, que viviam de sua plantação mesmo que não fossem os proprietários do lugar (colonos, arrendatários, parceiros ou meeiros) foram obrigados a deixar para trás tudo o que possuíam e se transformaram em errantes, indo parar, normalmente, na periferia das grandes cidades. O campo foi progressivamente se esvaziando. Esse fenômeno foi o resultado da expulsão dos trabalhadores do campo, e não apenas do êxodo rural (saída voluntária para as cidades). Ou seja: as pessoas não foram ‘atraídas’ pela vida na cidade (como ainda se imagina), mas foram forçadas a deixar seu lugar.
Assim é o campo hoje: uma vastidão de um único dono (ou grande conglomerado transnacional), com uma única cultura (cana ou eucalipto, que não são alimentos), e com praticamente ninguém morando, apenas máquinas. Esse o mundo do agronegócio.

Hoje: são passíveis de reforma agrária (serem desapropriadas) as terras consideradas improdutivas, além daquelas onde for comprovada a existência de plantação de psicotrópicos ou trabalho escravo.
Hoje: a feira. Espaço de socialização, de sociabilidade, entre os trabalhadores rurais. Espaço de intercâmbio de experiências. As mulheres trocam receitas, conversam sobre o cotidiano, preços, saúde dos filhos; e há troca direta de produtos entre eles, sem a intermediação do dinheiro.; embora haja também a compra e venda, trocando produtos por dinheiro. É um espaço onde se cruzam várias temporalidades, a mais antiga e a capitalista moderna.
Hoje: problema do plantio de cana nos assentamentos e lotes. O INCRA proíbe o arrendamento de terras para o plantio de cana para os usineiros, mas os agricultores recém-assentados acabam arrendando-o por absoluta falta de condições nos lotes: sem financiamento, sem condições de comprar sementes, tratores, etc., os assentados ficam sem opção. Para estes que arrendam o lote conquistado aos usineiros, o significado simbólico da terra, da luta empreendida durante tanto tempo, se perde, e cede lugar à concepção da terra como mercadoria, isto é, como mero negócio.

(fichamento de trecho do livro A Luta pela Terra: Experiência e Memória, de Maria Aparecida de Moraes Silva. Editoria da UNESP (Coleção Paradidáticos)
.http://30porcento.com.br/detalhes.php?proc=8571395543