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sábado, 7 de maio de 2011

aula de 'introdução à filosofia' (ages, 2005)

FILOSOFIA


“partir do presente, com os olhos voltados para o passado, mas em direção ao futuro’ (BENJAMIN)

Objetivo: entender um pouco mais o Brasil de hoje:

I – OS SENTIDOS etimológico e antropológico DO MITO FUNDADOR DA NAÇÃO BRASILEIRA, segundo Marilena Chauí:

“narração pública dos feitos lendários da comunidade”

“solução imaginária para tensões, conflitos e contradições que não encontram caminhos para serem resolvidos no nível da realidade, que cria um bloqueio à percepção da realidade e impede lidar com ela”

EXEMPLO: as telenovelas que pregam o amor romântico hoje = Romantismo (XIX) que investia nas histórias de amor para ocultar os problemas reais da época (como a escravidão negra).

Então, nós criamos uma imagem que não corresponde à realidade (povo cordial, não há racismo etc.) para não ter de lidar com a realidade.

Isso remonta à época do ‘Descobrimento’:

O Brasil é uma ‘sociedade autoritária’, porque estava acostumado a receber ordens da Metrópole. (MARILENA CHAUÍ)

II - Colônia e Cultura: etimologias (a partir de BOSI. Dialética da Colonização)

Colo – (vb.) eu moro, eu ocupo a terra; (p.ext.) eu trabalho, eu cultivo o campo. Também “tomar conta de”, no sentido de “cuidar”, mas tb no de “mandar”.

[incola = habitante / inquilinus = aquele que reside em terra alheia / o íncola que emigra torna-se colonus]

Colonia – espaço que se está ocupando, terra ou povo que se pode trabalhar e sujeitar.

Particípio passado de “colo” é “cultus”. Valor desse passado: que o povo que “cultua”, tem passado, tem memória. As plantações designadas por culta queriam dizer algo de cumulativo, pois o ato de cultivar é efeito de incontáveis tarefas. Não é só o trabalho presente. É um trabalho sistemático que gera a qualidade obtida, de “culto”, “cultivado”. Tem relação, portanto, com a memória, com a história; pois a sociedade que produziu seu próprio alimento, que precisou plantar, semear, colher, já tem memória, já tem história. 1) Então, culto como adjetivo: “pessoa culta”.

Cultus = ação sempre reproposta de colo, cultivar através dos séculos + qualidade resultante desse trabalho, já incorporada à terra que se lavrou. Trabalho sistemático do passado para o presente.

2) Culto como substantivo: “culto” dos mortos que é tb inumação, abertura de covas que “alimentam os vivos e abrigam os mortos”.

Cultus, como substantivo = culto dos mortos, forma primeira da religião como lembrança, chamamento ou esconjuro dos que já partiram.

Antropologia – o enterro sagrado precede o amanho do solo, a lavra, o “roçado”. Agricultura começa por volta de 7000 a.C. e o enterro dos mortos existe há mais de 80.000 anos.

Cultus = 1) o que foi trabalhado sobre a terra; cultivado.

2) o que se trabalha sob a terra; culto; enterro dos mortos; ritual feito em honra dos antepassados.

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[[quem os brasileiros cultuamos hoje? Os antepassados?, ou os ídolos e mitos atuais da mídia? Somos um povo in-culto? O que isso quer dizer? O que fizemos com nossa memória coletiva?? Trocamo-la pelo BBB atual... ]]
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Particípio futuro de “colo” é “culturus”, “cultura”. Como é futuro, significa “o que se vai trabalhar”, “o que se quer cultivar”. Assim, significa tanto o trabalho feito no solo, a “agri-cultura”, como “o trabalho feito no ser humano desde a sua infância”, traduzindo neste sentido a paidéia grega, que se traduz normalmente por “educação”, “formação”, processo de transmissão do conjunto de técnicas, práticas, símbolos, valores, às novas gerações para garantir a reprodução de um estado social.

- assim, aculturar um povo já se traduziria em sujeitá-lo, adaptá-lo tecnologicamente a um certo padrão tido como superior.

- ideologia que liga cultura e progresso.

COLONIZAÇÃO – 1) cultivo = domínio sobre a terra. O pau-brasil e a cana-de-açúcar, o ouro e o café, o agrobusiness (agronegócio).

- na Espanha, proibiram-se as palavras conquista e conquistadores, substituindo-as por descubrimiento e pobladores, isto é, colonos.

- a ética da aventura, contraposta à ética do trabalho (Sérgio Buarque)

conclusões de Walter Benjamin e Jacques Derrida.

WALTER BENJAMIN - “todo documento de cultura é um documento de barbárie”

JACQUES DERRIDA “toda cultura é colonial. Uma cultura se forma, se estabiliza ou se enraíza através de conflitos de força, dos fenômenos de imposição e de hegemonia, então de recalque e repressão [...] uma cultura é sempre imposição constrangedora e hegemônica de um grupo, de uma força, de uma pulsão, de um fantasma sobre o outro. Há sempre colonialista a trabalho. E, em conseqüência, resistência.”

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IV – na escola aprendemos:

a bandeira brasileira: Natureza e povo ordeiro e em progresso;

hino: gigante pela própria natureza, nosso céu tem mais estrelas, nossos bosques têm mais flores..

o maior rio do mundo, a maior floresta tropical do planeta, Amazonas e Floresta Amazônica.

não temos furacões, vulcões, desertos, nevascas, terremotos..

nessa terra, em se plantando tudo dá; só não progride quem não trabalha

abençoados por Deus, Deus é brasileiro

Brasil, país do futuro!

três raças valorosas, que se mestiçaram. Samba, p.ex., é energia índia, ritmo negro e melancolia portuguesa. Mistura é responsável pela ginga no futebol.

História escrita sem derramamento de sangue, exceção do Mártir da Independência, Tiradentes. Povo cordial.

Pesquisa sobre os motivos de orgulho que sentimos dos brasileiros: trabalhador / lutador; alegre / divertido; conformado / solidário / sofredor.

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Aprofundamento da questão: todos sabem que existe preconceito, contra negros, contra mulheres, contra as diferenças regionais: nordestino é atrasado, baiano é preguiçoso, carioca é malandro, paulista é trabalhador, etc.), a mulata boa de cama, portugueses são burros. Mesmo assim, temos orgulho de sermos brasileiros, pois é um país sem preconceitos, democracia racial.

Todos sabem das crianças de rua, das chacinas, dos massacres, da miséria, mas todos nos orgulhamos também por sermos um povo pacífico, ordeiro, sem violência, que não gosta de guerras.

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CONCLUSÃO: Quer dizer, há um descompasso muito grande entre o que nós somos realmente e o que nos representamos como sendo. É, aliás, essa representação que permite a existência de milhões de crianças com fome, etc. Essa representação começou exatamente em 1500, é nosso “mito fundador”.

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- GRAMSCI – pré-requisitos de uma nova ordem cultural são a “crítica do senso comum” e a “consciência da historicidade”.