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segunda-feira, 14 de junho de 2010

benjamin

A névoa que recobre os primórdios da fotografia é menos espessa que a que obscurece as origens da imprensa; já se pressentia, no caso da fotografia, que a hora da sua invenção chegara, e vários pesquisadores, trabalhando independentemente, visavam o mesmo objetivo: fixar as imagens da câmera obscura, que eram conhecidas pelo menos desde Leonardo. Quando depois de cerca de cinco anos de esforços Niepce e Daguerre alcançaram simultaneamente esse resultado, o Estado interveio, em vista das dificuldades encontradas pelos inventores para patentear sua descoberta, e, depois de indenizá-los, colocou a invenção no domínio público. Com isso, foram criadas as condições para um desenvolvimento contínuo e acelerado, que por muito tempo excluiu qualquer retrospectiva. (...)
Depois de mergulharmos suficientemente fundo em imagens assim, percebemos que também aqui os extremos se tocam: a técnica mais exata pode dar às suas criações um valor mágico que um quadro nunca mais terá para nós. Apesar de toda a perícia do fotógrafo e de tudo que existe de planejado em seu comportamento, o observador sente a necessidade irresistível de procurar nessa imagem apequena centelha do acaso, do aqui e agora, com a qual a realidade chamuscou a imagem, de procurar o lugar imperceptível em que o futuro se aninha ainda hoje em momentos únicos, há muito extintos, e com tanta eloqüência que podemos descobri-lo, olhando para trás. A natureza que fala à câmara não é a mesma que fala ao olhar; é outra, especialmente porque substitui a um espaço trabalhado conscientemente pelo homem, um espaço que ele percorre inconscientemente. Percebemos, em geral, o movimento de um homem que caminha, ainda que em grandes traços, mas nada percebemos de sua atitude na exata fração de segundo em que ele dá um passo. A fotografia nos mostra essa atitude, através dos seus recursos auxiliares: câmera lenta, ampliação. Só a fotografia revela esse inconsciente ótico, como só a psicanálise revela o inconsciente pulsional.
(BENJAMIN, Walter. Pequena História da Fotografia. In: _______. Magia e Técnica, Arte e Política: ensaios sobre literatura. Obras Escolhidas, Volume 1. 7ª. Ed. Trad.: Sérgio Paulo Rouanet. Pref.: Jeanne-Marie Gagnebin. São Paulo: Brasiliense, 1994. P. 93s.)