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sábado, 12 de junho de 2010

futebol moderno

“O aparecimento do hoplita, pesadamente armado, combatendo em linha, seu emprego em formação cerrada segundo o princípio da falange, dão um golpe decisivo nas prerrogativas militares dos hippeis. Todos os que podem fazer as despesas de seus equipamentos de hoplitas, – isto é, os pequenos proprietários livres que formam o demos, como são em Atenas os zeugitas –, acham-se colocados no mesmo plano que os possuidores de cavalos. Mas, mesmo neste caso, a democratização da função militar – antigo privilégio aristocrático – causa uma transformação completa na ética do guerreiro. O herói homérico, o bom condutor de carros, podia ainda sobreviver na pessoa do hippeus; já não tem muita coisa em comum com o hoplita, esse soldado-cidadão. O que contava para o primeiro era a façanha individual, a proeza feita em combate singular. Na batalha, mosaico de duelos em que se enfrentam os prómachoi, o valor militar afirmava-se sob forma de uma aristeia, de uma superioridade toda pessoal. A audácia que permitia ao guerreiro executar aquelas ações brilhantes, encontrava-a numa espécie de exaltação, de furor belicoso, a lyssa, onde o lançava, como fora de si mesmo, o menos, o ardor inspirado por um deus. Mas o hoplita já não conhece o combate singular; deve recusar, se se lhe oferece, a tentação de uma proeza puramente individual. É o homem da batalha braço a braço, da luta ombro a ombro. Foi treinado em manter a posição, marchar em ordem, lançar-se com passos iguais contra o inimigo, cuidar, no meio da peleja, de não deixar seu posto. A virtude guerreira não é mais da ordem do thymós; é feita de sophrosyne: um domínio completo de si, um constante controle para submeter-se a uma disciplina comum, o sangue frio necessário para refrear os impulsos instintivos que correriam o risco de perturbar a ordem geral da formação. A falange faz do hoplita, como a cidade faz do cidadão, uma unidade permutável, um elemento semelhante a todos os outros, e cuja aristeia, o valor individual, não deve jamais se manifestar senão no quadro imposto pela manobra de conjunto, pela coesão do grupo, pelo efeito de massa, novos instrumentos da vitória. Até na guerra, a Eris, o desejo de triunfar do adversário, de afirmar sua superioridade sobre outrem, deve submeter-se à Philia, ao espírito de comunidade; o poder dos indivíduos deve inclinar-se diante da lei do grupo.”

(VERNANT, Jean-Pierre. As Origens do Pensamento Grego. Tradução de Ísis Borges B. da Fonseca. 7ª. Ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1992. Pp.43s.)