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quinta-feira, 25 de novembro de 2010

violência no rj

UOL News – Lilian Witte Fibe entrevista Nancy Cardia, do Núcleo de Estudos de Violência da USP

18/05/2006 - 18h50

Violência em SP: "Nada garante que essas tragédias não piorarão", alerta psicóloga social

A violência nas ruas da cidade de São Paulo aparentemente diminuiu. Ônibus, no entanto, continuam sendo incendiados, o que mantém a população amedrontada. O diretor do Departamento de Investigações sobre o Crime Organizado, Godofredo Bittencourt, em entrevista à rádio CBN, atribuiu os últimos ataques a algo que ele chama de "criminalidade normal da cidade".
À noite, em Osasco, na Grande São Paulo, 11 homens armados atiraram num batalhão da Polícia Militar. Um dos bandidos foi morto, mas dez fugiram. Dez ônibus foram incendiados e a polícia matou nove pessoas entre a noite de ontem e a madrugada de hoje. Numa favela na periferia, um suposto criminoso do Primeiro Comando da Capital, o PCC, foi preso. Drogas, três revólveres calibre 38, uma pistola e uma carabina foram apreendidas.
Durante a madrugada, a TV Bandeirantes exibiu declarações atribuídas a Marcos Camacho, o Marcola, líder do PCC. A emissora informou que o bandido falou através de um celular. Ele negou acordo com o governo, mas ameaçou a cidade com novos ataques.
O governador de São Paulo, Cláudio Lembo, depois de dizer, em entrevista à Folha de S. Paulo, que parte da culpa é de uma "minoria branca", que "tem que abrir a bolsa para sustentar a miséria brasileira", deu uma coletiva hoje de manhã em que pegou mais leve, além de colocar em dúvida a autenticidade da entrevista de Marcola à Bandeirantes. "Não é normal ônibus queimando, ataques a batalhões da PM, entrevista por celular com alguém que está em um regime mais rígido disciplinar, tampouco são normais as declarações que o governador fez", avalia a coordenadora do Núcleo de Estudos de Violência da Universidade de São Paulo, a psicóloga social Nancy Cardia. "Imagino que deve ter muito mais coisa envolvida. Alguém ficou insatisfeito, algum acordo anterior foi rompido, algo muito substancial aconteceu."

Como a população reage?

"A sociedade está numa vulnerabilidade incrível. O máximo que podemos fazer a gente faz: pagamos impostos, nos comportamos dentro da lei, elegemos os representantes para quem delegamos o poder de organizar o funcionamento da sociedade. Cabe a eles criar as condições para que a gente consiga levar o nosso cotidiano", diz a psicóloga, que também é crítica em relação à atuação da polícia. "Suspeito é suspeito, não foi investigado, não foi provada a responsabilidade a respeito de nada, não foi julgado, nem sentenciado. Isso aconteceu informalmente, à margem da lei."
Nancy também analisa o comportamento da maioria das pessoas, que não parece se importar com os mortos sem identificação. "Elas entram em pânico e querem uma solução rápida, pois têm medo de quem é encarregado de aplicar a solução - ao mesmo tempo em que precisam da polícia, não têm confiança - e isso aparece como mal menor. Acrescente a isso a impressão de que os direitos humanos tratam alguma coisa que não é universal. Só posso ter direito a ter direito se eu me comportar dentro de determinado padrão de comportamento."
A psicóloga explica que uma facção como o Primeiro Comando da Capital nasce exatamente para defender os mais fracos da brutalidade que é o sistema carcerário no Brasil - "presídios são inferno em vida" -, além de garantir um mínimo de proteção. "Esse grupo, perversamente, vira uma máquina do crime."

Houve avanços em relação à violência?

"A sociedade está mais consciente sobre as causas da violência, tem uma maior compreensão sobre a necessidade de se prevenir e que, de fato, isso é possível. Por isso surgiram tantos grupos voltados para trabalhar essa questão, como o Instituto São Paulo contra a Violência, o Sou da Paz, o Movimento em Defesa da Vida", diz Nancy. "Mas, simultaneamente, quase triplicamos a população carcerária, um aumento dramático. Tem muita gente cumprindo pena porque é pobre, não teve acesso à ajuda legal, a família é tão carente que não sabe nem onde procurar ajuda."
"A população está entre esses dois pólos", avalia a psicóloga. "Com o tipo de resultado que houve desse episódio, não temos garantia de que não vá se repetir e, pior, caso venha a se repetir, que ele não será muito pior do que a gente viveu anteriormente", alerta Nancy.

http://noticias.uol.com.br/uolnews/brasil/entrevistas/2006/05/18/ult2496u517.jhtm