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domingo, 27 de março de 2011

assalto

ASSALTO

PERSONAGENS

José Maria Maia - 33 anos, cabelos e olhos escuros, barba bem-aparada, estatura média, corretor de seguros, bem de vida.

Sílvia Maia - 29 anos, cabelos pretos, lisos, na altura da nuca, olhos verdes, pele clara, dona-de-casa, “sempre quieta, sempre alerta”, nas palavras de seu marido Zemaria.

Pedro Maia - três anos mais novo que seu irmão, foi seu rival na disputa por Sílvia. Sua cabeleira negra é vasta e rebelde; seu corpo, atlético. Mulherengo, trocista, sempre acompanhado de um copo e um cigarro. É formado em arquitetura, mas sua paixão é o futebol.

D. Angélica Rebouças - Carioca da Tijuca, mora com a filha Sílvia desde que enviuvou, há um ano e meio. Cabelos brancos, como os olhos, vítimas de catarata. Surda. Não esconde a preferência, entre os irmãos, por Pedro.

Beth Vieira - amiga de infância de Sílvia, não é muito bonita, mas é sexy. Já namorou Pedro. Loura oxigenada, tão falante quanto fútil. Tem muito carinho pela amiga, por quem acredita estar apaixonada.

Maria do Carmo - diarista dos Maia. Mulatinha de 18 anos, muito vaidosa, vive se engraçando com Pedro. Tem uma filha de dois anos que deixa na creche antes de ir para o trabalho.

Esmeralda - empregada do apartamento vizinho, amiga de Maria do Carmo.

Bento e Glória - os assaltantes.

ATO ÚNICO

CENA ÚNICA - Sala do apartamento dos Maia, na Haddock Lobo, São Paulo. Duas e meia da tarde de sábado. Esmeralda está na porta que dá para a cozinha esperando Maria do Carmo acabar de tirar a louça do almoço. No centro, de costas, a televisão está ligada num programa esportivo, com o volume alto. À direita, Zemaria, abraçado a Sílvia, está conversando animadamente com Pedro sobre a final do campeonato, marcada para as quatro. Beth insiste com D. Angélica em levá-la ao cabeleireiro.

Zemaria - Será o jogo da década, talvez do século! Tenho certeza de que vamos nos lembrar desta tarde por muito tempo. Ainda bem que o Carlão foi expulso semana passada...

Pedro - E você acha que ele não vai jogar, que o patrocinador não vai meter o dedinho? Já deve ter metido a mão inteira mesmo...

D. Angélica - Mas minha filha, estou muito velha para isso. De quê adiantaria? Eu não enxergo nada mesmo. Deixe que não demora muito receberei minha última maquiagem...

Beth - (gritando) Não diga isso, D. Angélica! A senhora tem muito tempo pela frente. Ainda verá o homem pisar em Marte, eu garanto. Parece que os americanos já estão construindo um foguete...

Esmeralda - Vamo cum isso minina. Taca logo tudo isso drentro da máquina si não agente chega atrasada!

Maria do Carmo - Tô acabando, tô acabando, calma, a gente já vai. E é bom chegar atrasada pra deixá aqueles bandido esperano, cum fome...

(Ouve-se uma batida seca, mas forte, na porta. Maria do Carmo olha através do olho mágico e abre um pouco a porta.)

Maria do Carmo - Pois não?

Bento - (fora da cena) Por favor, senhorita. Nós somos da Igreja Evangélica Paz e Amor e...

Maria do Carmo - Se veio vender livrinho, pode dar meia-volta. Aqui ninguém compra nada.

Bento (ainda fora de cena) - Posso falar com o dono da casa?

Maria do Carmo - Ele vai te passá um isculacho... Seu Zemaria! Tem um homi aqui querendo falar com o senhor um negócio duma igreja...

Pedro - Deixa que eu vou. Em um minuto haverá mais um ateu no mundo.

( Pedro vai até a porta e ao olhar para fora fica todo contente. Cumprimenta o casal lá fora, convidando-os a entrar.)

(Entram abraçados a Pedro, Glória e Bento, este vestindo a camisa do Juventus.)

Pedro - Aí, aí!! É um presságio, um bom agouro, um milagre! É hoje, é hoje que a gente desencanta! Vou pegar uma cerveja pra vocês.

Bento - Hmmm. Não precisa dizer nada. O senhor é juventino também.

Pedro - Desde o útero, melhor, desde a pica de meu pai, com o perdão das senhoras.

(Maria do Carmo dá dois copos ao casal e Pedro começa a enchê-los.)

Pedro - Mas a quê devemos a graça desta visita? Quem são vocês, campeões?

Glória - O caso é o seguinte: nós não viemos aqui pra falar de futebol, beber cerveja, nem porra nenhuma! A gente veio pra roubar, sacou? Roubar! (Tira um revólver da bolsa e aponta na direção de todos, inclusive de Bento.)

Bento - (Para Glória) Sai pra lá! Aponta isso pra eles! (Para todos) É isso aí! Dane-se o Juventus! O que a gente quer é o dinheiro, tá entendendo, o dinheiro. E vamos logo com isso que tá quase na hora do jogo. (Bebe um gole de cerveja.)

Zemaria - Deve ser brincadeira! Vocês não vieram aqui, com a camisa do meu time, pra me assaltar! Não hoje! Senta aí que o jogo já vai começar.

Beth - Já sei! Vocês são amigos do Pedro e querem tirar uma com a nossa cara. Que piadista...

Glória - Parece que vocês não estão entendendo. (Mostra o revólver) Isso aqui não é de brincadeira, não. Eu passo fogo, tá me entendendo, eu passo fogo! Vocês duas aí! (Aponta para as empregadas) No sofá! E quietinhas, senão mando bala. O senhor aí! (Para Pedro) Onde é o cofre?

Pedro - Desculpem-me. A casa é dele. (Aponta Zemaria)

Glória - Então vai sentando aí se não quer levar chumbo. (Pedro obedece) (Para Zemaria) Então? Eu não vou perguntar de novo...

Beth - (Para Pedro) Cada uma que você me arruma... Quem são?

(Pedro não responde)

Beth - (Insinuando-se para Bento, que bebe mais um gole) De onde vocês conhecem o Pedro? Senta aqui comigo, o jogo já vai começar...

Pedro - Beth, eu nunca vi esses dois...

Bento - Que horas são?

Beth - Vinte pras quatro...

Glória - (Encosta a arma na cabeça de D. Angélica) Vou contar até três. A primeira vai ser a velha. E eu não tô brincando, não. Um, dois...

Zemaria - (reprime um sorriso) Calma! Calma! Não precisa matar ninguém, nem mesmo a velha. Nós não temos cofre, usamos cartão de crédito. Não temos nada, podem procurar.

Sílvia - Olhem! Eu tenho um relógio, podem levar.

Zemaria - Peraí, Sil! Que negócio é esse? Não é porque esse cara torce pro Juventus que...

Bento - (pega o relógio e vê a hora) Será que o Carlão joga?

Zemaria - Se jogar é marmelada, eu quebro tudo! O cara é um assassino!

Glória - Assassina serei eu se vocês continuarem com isso!

Bento - Olha, amor. Por que a gente não deixa o assalto para depois do jogo. A gente assiste aqui com eles, depois assalta e vai embora.

Zemaria - Isso! E com o caneco na mão! (Abraça Bento)

(Glória aponta o revólver para a televisão)

Zemaria e Bento - Nããão!!

Beth - (Aproxima-se de Sílvia e põe-lhe a mão no joelho) Você está com medo? Chega aqui mais perto de mim. (Do outro lado Pedro senta mais perto de Sílvia e também põe a mão em seu joelho)

Sílvia - Parem com isso! (Tira as duas mãos de seus joelhos) Eu não estou com medo! Olhem! O jogo começou.

(Todo mundo se vira para a televisão)

Esmeralda - (Para Maria do Carmo) Que jogo é esse hein? Que assalto mais demorado! (Para Glória) Ô moça! Eu posso ir embora? Eu não tenho nada comigo, não moro aqui, não gosto de futebol...

Maria do Carmo - Eu também. Preciso pegá minha filhinha na creche, meu namorado tá mi esperano. Afinal, já deu minha hora faiz tempo!

Bento - Silêncio!!! Eu quero ver o jogo! E meu copo está vazio.

Maria do Carmo - Eu num vô pegá nada. Já deu minha hora mesmo.

Zemaria - Sil! Vai buscar mais uma cerveja pra gente.

Glória - Não! Ela não. Vai o grandão aí, que é meio bobo. (Pedro se levanta) Mas cuidado, hein! Sem gracinha que eu tô de olho! (Pedro sai e volta com a garrafa. Vai colocar no copo de Glória. Só aí ela percebe que ainda está com o copo cheio na mão.) (Glória atira o copo no chão. Todos se voltam para ela, menos Bento.)

Bento - (Vibrando com a tv.) Vai, vai, vai, vai, droga! Burro! Idiota!

Pedro - (Baixinho.) Desculpe.

Zemaria - Mas como pode o bandido do Marcão estar jogando?

Bento - É uma roubalheira só! Time grande é foda! É uma luta de Davi contra Golias.

(Glória dá um tiro para cima. Pedro derruba o copo. Maria do Carmo começa a rezar.)

D.Angélica - Foi gol?

Sílvia - (Para Glória.) Calma. Você está nervosa demais. Vou pegar um pouco de água. Sente-se aqui no meu lugar...

Glória - (Lamentando-se.) Maldito hospício em que vim cair. (Senta-se. Pedro se afasta o mais possível. Beth se aproxima um pouco, olhando o rosto da ladra.)

Beth - (Para Glória.) É, ela tem razão. Calma que daqui a pouco o jogo acaba e... (Põe a mão no joelho de Glória.)

(Glória olha assustada a mão que acaricia seu joelho. Levanta-se num pulo e, tremendo, vira a arma na direção da cabeça de Beth. Dá, desesperada, um tiro que pega na parede, muito longe.)

D.Angélica - Outro?

(Sílvia dá um copo com água para Glória. Esta bebe num gole só e atira o copo longe.)

Glória - Mas o que eu estou fazendo? Fiquei louca também? Daqui a pouco pergunto quanto está o jogo. (Olha para Bento e Zemaria, ainda em frente da tv, quase interessada. Senta-se de novo no sofá, leva a mão com a arma à cabeça.) Não estou me sentindo muito... (Desmaia em cima de Pedro, que levanta com um grito, jogando Glória no chão. Rapidamente, Sílvia pega o revólver e mira em Bento, chamando-o. Ele demora um pouco para se virar.)

Sílvia - Fora! Carregue essa maluca! Fora os dois! Fora de minha casa!

Bento - Minha Glória! Você matou minha Glória!

Zemaria - Pst!

Bento - (Para Zemaria) Que foi? Aconteceu alguma coisa?

(Glória dá três tiros.)

D.Angélica - He, que é goleada!

(A televisão começa a tocar o hino do Juventus. Zemaria e Bento se abraçam emocionados e cantam junto. Pedro arrisca se aproximar e logo cai na festa também. Beth se ajoelha perto de Glória e passa a mão em seus cabelos. As duas empregadas saem de fininho. Sílvia, com a arma ainda na mão, chora desconsolada no colo de sua mãe.)

[escrevi em 1998, lsd]