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domingo, 1 de maio de 2011

gregório de matos


A sátira gregoriana possui um caráter de contestação imanente que acontece em duas vias: cultural e político-social. Contestação cultural expressa na linguagem torpe que adota visando ultrajar, impactar e agredir quando nomeia os órgãos sexuais e o ato sexual, recurso esse proveniente do estilo baixo de gêneros cômicos. O riso amoral provocado pela sátira de Gregório, com o uso de suas obscenidades e palavrões, tem um efeito inofensivo e prazeroso, afinal. A sua irreverência é mero aproveitamento de regras retóricas existentes, que a sátira barroca, enquanto comédia de punições, obedece, recorrendo à desqualificação do satirizado, à defesa da ordem e à defesa da posição hierárquica.
Por sua vez, concentra a contestação política-social enquanto integrante insatisfeito que é, da pequena nobreza luso-baiana de senhores de engenho em declínio. Não se pode extrair da produção gregoriana uma contestação político-social desinteressada, mas uma revolta pela situação que lhe é imposta à medida que lhe afeta a decadência com o fim da política protecionista sustentada pela coroa portuguesa, que favorecia essa nobreza local, mas que passou a ser-lhe nociva posteriormente, quando D. João IV alia-se aos ingleses, privilegiando os comerciantes estrangeiros (abrindo a barra de Salvador aos seus navios) e alguns latifundiários de maior calibre. Por esse prisma, a reação de Gregório é individualista, manifestando-se contra o mercantilismo progressista que “produzia” sua decadência como aristocrata. Eram-lhe mais convenientes as instituições e antigos valores protecionistas praticados pela metrópole. Repudiava assim, tanto a atividade mercantil quanto o trabalho manual, deixando transparecer o preconceito ao classificar os judeus e os mestiços como usurpadores dos postos e direitos que julgava exclusivos dos “homens bons”, brancos, entre os quais incluía-se.
(Laeticia Jensen)

A sátira gregoriana possui um caráter de contestação imanente que acontece em duas vias: cultural e político-social. Contestação cultural expressa na linguagem torpe que adota visando ultrajar, impactar e agredir quando nomeia os órgãos sexuais e o ato sexual, recurso esse proveniente do estilo baixo de gêneros cômicos. O riso amoral provocado pela sátira de Gregório, com o uso de suas obscenidades e palavrões, tem um efeito inofensivo e prazeroso, afinal. A sua irreverência é mero aproveitamento de regras retóricas existentes, que a sátira barroca, enquanto comédia de punições, obedece, recorrendo à desqualificação do satirizado, à defesa da ordem e à defesa da posição hierárquica.
(João Adolfo Hansen)

A sátira barroca produzida na Bahia não é oposição aos poderes constituídos, ainda que ataque membros particulares desses poderes, muito menos transgressão liberadora de interditos morais e sexuais. O receptor dos poemas geralmente os lê movido do interesse atual.
(João Adolfo Hansen)

A fala indígena é rotulada de “torpe”, enquanto o sangue dos caramurus é considerado sangue de tatu, um animal de casco grosso e que se arrasta pelo chão. Ao invés da exaltação da mestiçagem, há um absoluto desprezo por ela. Como a população do país tinha diversas origens raciais, Gregório optava pela minoria de cepa lusitana como predestinada a ter a posse da terra e a governar, contra uma eventual pretensão da elite nativa em assumir o comando. Essa opção exclui a possibilidade de classificar Gregório de Matos como autor “popular” e modelar para constituir a base de um sistema “brasileiro”. Ele é conveniente a uma postura aristocrática, de ascendência lusa, racista.
(Flávio Kothe)

Esse veio de "comicidade", de "irreverência" popularesca, o vezo da "piada devastadora", enfim, a irrupção do riso amoral e compulsivamente desreprimido, parece ter sido o aspecto que Antonio Candido, num ensaio divisor de águas em relação à sua prática historiográfica (o fundamental ''Dialética da Malandragem'', 1972), tomou como parâmetro para estabelecer a sincronia entre a sátira de Gregório e os romances-invenções dos dois Andrades, no âmbito do modernismo que se pode denominar, globalmente, "antropofágico". Esse o "gaio excesso" (Bakhtin) que Hansen desconhece, quando reduz a ''vis comica'' do destemperado baiano a uma efusão maledicente inócua, mera atualização de estilemas retóricos disponíveis, uma vez que —postula— a sátira barroca, "pendente comédia de punições, obedece a regras precisas", estando, pois, "prevista institucionalmente" e ligando-se ademais, pela "desqualificação" do satirizado, à "defesa da ordem" e à "defesa da posição hierárquica".
(Haroldo de Campos)

                Que significa hoje uma prática do barroco? Qual o seu significado profundo? Tratar-se-á de um desejo de obscuridade, de um gosto pelo esquisito? Arrisco-me a defender o contrário: ser barroco hoje significa ameaçar, julgar e parodiar a economia burguesa, baseada numa administração avarenta dos bens; ameaçá-la, julgá-la e parodiá-la no seu próprio centro e fundamento: o espaço dos signos, a linguagem, suporte simbólico da sociedade e garantia do seu funcionamento através da comunicação. Dilapidar da linguagem unicamente em função do prazer – e não como pretende o uso doméstico em função da informação.
(Severo Sarduy)