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domingo, 12 de setembro de 2010

grandes momentos da política brasileira

"Manual do bom político

Irônico e contundente, o relato de um prefeito ilustre que tem muito o que ensinar a candidatos e eleitores. Conheça Graciliano Ramos, o administrador, em todo o seu estilo.

Interior das Alagoas, 1926. Um prefeito é assassinado no meio da rua por um fiscal tributário. O delegado de polícia persegue o fiscal e o executa. No ano seguinte haverá eleições municipais. Os caciques locais, no poder há quatro décadas, decidem lançar candidato um cidadão inexperiente. Ele reluta, recusa – “Só se a cidade estivesse com urucubaca” –, mas, açoitado por maledicências (“Tem é medo de fracassar”), sua hombridade fala mais alto:
– Apareça o filho-da-puta que disse que eu não sabia montar em burro bravo!
O filho-da-puta não apareceu, e o homem candidatou-se. Mas sequer fez campanha. Acabou eleito à moda da época. “Assassinaram o meu antecessor. Escolheram-me por acaso. Fui eleito naquele velho sistema das atas falsas, os defuntos votando”.
O que esperar de um processo que transcorreu desse modo, na terra dos coronéis, em plena República Velha? Tudo, menos um administrador público exemplar, futuro grande nome da nação.
O nome é Graciliano Ramos, ele mesmo, o escritor. E ainda que não tivesse obtido consagração literária – coisa pouca: Memórias do cárcere, Vidas secas, São Bernardo... –, sua breve carreira de prefeito em Palmeira dos Índios já mereceria registro. Tanto que na época virou assunto até em jornais do Rio de Janeiro.
De onde veio tamanha repercussão? De seus escritos, ora. Mas não os literários. Teve inclusive que deixar de lado a produção de seu primeiro romance, Caetés, para dedicar-se ao cargo público que lhe caiu no colo. Valeu a pena. O que redigiu, em 1929 e 1930, foram relatórios anuais para o governador de Alagoas, Costa Rego, prestando contas de sua gestão. Duas pérolas de estilo, ironia e sagacidade.
Oitenta anos depois, os documentos têm o frescor de uma fotografia digital. E a utilidade de um verdadeiro manual de decência na administração pública. Tanto pelo que fez e como se comportou, quanto pelo que deixou de fazer e criticou – todos os vícios do modus operandi tradicional de nossa política.
Se você é candidato, deveria se inspirar nestas lições. Se é eleitor, também."

(Lorenzo Aldé, Revista de História da Biblioteca Nacional, 01/06/2008, dispnível em http://www.revistadehistoria.com.br/v2/home/?go=detalhe&id=1702)